17 de fev. de 2015

grandes verdades

Não é só abrir os olhos. Tem todas aquelas coisas que te situam, o cheiro do café queimando na cafeteira, da roupa de cama que precisa ser trocada. O som do filho do vizinho balançando na rede e a incessante onomatopeia resultante da sua diversão, mas que não me abala. O gosto de merda, de cigarros e alimentação pouco cuidadosa, esse gosto que todo dia me visita assim que acordo e tomo consciência de mim. Depois que ele aparece, não consigo mais me lembrar dos sonhos. É uma porta sem volta, que uma vez atravessada, nos nega a versão acessível do inconsciente. Parece que são perigosos, os sonhos, que contém informação demais que talvez nos deixe loucos ou desorientados. A tentativa de interpretação me diz verdades que muitas vezes preferia manter ininteligíveis – coisas básicas sobre quem somos e por que somos, mas que assustam. A grande máxima: ignorância é felicidade. Na verdade, ignorance is bliss. Bliss não significa a mesma coisa que happiness. Bliss é, na minha concepção, um estado de contentamento, consentimento e conformismo. Aceitação. Acordo as quatro da manhã ao som de asas famintas, e percebo que esqueci de apagar as luzes. Volto para cama sem sono e com a consciência amorfa e receptiva, quero aprender por que há tanto sofrimento no mundo e por que isso não me afeta tanto quanto seria esperado – sinto uma culpa que julgo irreversível, o egoísmo de ser quem eu sou de forma tão leviana e despreocupada. A luta de classes, o anarco-sindicalismo, o pão esquecido na torradeira. Jogá-lo fora e sentir a fome de mil seres que não tem o que comer pela manhã. Mas essa fome não é minha, por isso sigo meu dia e minha agenda burguesa com uma sensação de impunidade infinita.
No final do dia, a única pessoa que te julga é você mesmo, então foda-se. Foda-se?
Não, meu julgamento dói mais do que o dos outros, minha mente me machuca muito mais do que o externo. A consciência, e sua outra face, ambas jogam na minha cara que no fundo eu não mereço nada disso, mas tudo bem. Assim nos sentimos todos, assim surge a necessidade da luta, a necessidade de acordar e levantar e ler e se informar, sintetizar conhecimento na busca de justificativas para acordar, levantar, ler e se informar; Acender a centelha da luta, para que possamos viver em um mundo onde não exista tanta culpa. Onde eu me sinta melhor por ser quem eu sou – egoísta e verdadeiro, sentimental e obscuro, entorpecido em um oceano de informações que me lembram o quão leviana é a minha manhã.
Mas seguimos na luta,

x.